Leitura na escola, o encanto perdido

 

“/Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.” Clarice Lispector

MP900227532[1]Tão comum é nas reuniões e nas salas dos professores, docente reclamando do desinteresse de seus alunos pela leitura, mais longe vou ainda, as mesmas reclamações se estendem as outras salas de professores, só que das universidades e faculdades formadores de docentes e demais licenciados. A falta de leitura é mal crônico em nosso país fruto de uma nação que saiu de uma cultura agrafa, onde a escrita fora usada apenas em atos legais ou eclesiásticos para uma sociedade fortemente marcada pela cultura televisiva e midiática, onde recentemente a internet vem se firmando como principal meio de informação alcançando rincões antes impensáveis, vemos com espanto localidades exibindo reluzente containers com moderna aparelhagem para conexão com a web via satélite e nenhuma, mesmo que modesta biblioteca pública a disposição dos moradores.

É absurdo mais ainda hoje mesmo em São Paulo, o estado mais rico da federação, escolas públicas serem construídas sem bibliotecas, e quando as possui são meros depositários de livros e quando funcionam são por graça e altruísmo de algum professor, diretor ou funcionário.

No computo geral leitura não é valorizada ou pio: “Ler é um ato marginal” e digo mais, ensinar o gosto a leitura, principalmente aos alunos mais velhos, adolescentes e jovens em cursos de graduação é um ato subversivo, uma vez que a escola pensa ter o padrão leitor escrito em algum index imaginário e que qualquer coisa que fuja desta “lista inquisitória” faz mal aos alunos. Vale lembrar-se da polemica quando a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo distribuiu uma coletânea de contos aos alunos onde uma das obras possuía forte apelo sexual, inclusive com palavras chulas e realmente indecentes, a questão não é a obra em si, pois a mesma não foi compilada em função da distribuição aos alunos e sim para publicação comercial e no contexto desta, o referido conto se encaixava muito bem, já que traduzia o panorama da época em que foi escrito. Falta de bom senso foi a equipe ter selecionado tal obra, já que com certeza a polemica era evidente, contudo vale lembrar que TV diariamente despeja coisa bem pior não só na cabeça de adolescentes como na de crianças e isso não é tão fortemente combatido.

Eu hoje prefiro me referir as escolas como assassinas de leitores, eu diria mais, acusaria a escola de assassinato em 1º grau com requintes de sadismo e extrema crueldade, ou como define Kramer 2001:

“Utilizar trechos de obras literárias em classes que ainda não descobriram o prazer da leitura, com a finalidade, transmitir conceitos, ensinar noções de analise sintática, morfológica, etc. acaba por se transforma em um ato de estupro, quando ao contrário, é preciso estabelecer relações de amor com os livros.” (p. 195)

Coloquemos a culpa então no professor, sujeito quase semianalfabeto, sub formado, preguiçoso cuja a única preocupação cultural é a novela das oito ou o futebol no fim de semana. Esquecemos de mencionar que este também foi aluno, de uma escola talvez mais refretaria ao hábito da leitura como fonte de fruição, olvidarmos que em nenhum momento foi-lhe dito que a literatura é um ato cultural e acima de tudo expressão artística enão foi concebida para ser desmembrada em aulas inúteis de pronomes, advérbios e subjuntivos. Como se o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo fosse concebido apenas para se estudar história paulista.

Cabe lembrar que foi a bem pouco tempo que a disciplina Literatura Infantil entrou na grade curricular dos cursos de pedagogia e que o bum editorial de produções literárias infantis só começou em meados dos anos 80. Ressaltamos ainda pouco e total descredito do poder público em manter uma politica voltada para formação de leitores, raras são as bibliotecas municipais e quando por uma benesses dos deuses as escolas recebem livros de seus mantenedores quase sempre os critérios da escolha são outros que não a qualidade literária , como preço ou apelo visual principalmente nas obras infantis. Neste escabroso contesto de falta de acervo ou acervo inadequado e professores sem prática leitora nossa infância e juventude fica relegada a sorte de possuir pais ou parentes leitores que substitua a escola nesta tarefa. E como sabemos os índices de leitura entre a média da população é baixíssimo o resultado não poderia ser outro.

Paremos de reclamar e busquemos soluções!

Como diz o ditado: a força de uma corrente é seu elo mais fraco, onde reside o ponto de ruptura desta perversa corrente? Acredito que temos sorte pois temos dois elos bem frágeis, primeiro a criança e mesmo o jovem que dizem tão propenso a não gostar de leituras, isso me fez lembrar de uma história: Quando trabalhava na Secretaria de Educação de meu município, contratamos uma estagiaria para ficar no balcão da recepção, naquela época estávamos estruturando o prédio da secretária e ainda não tínhamos todo os equipamentos, a estagiaria trabalhava meio período e por vezes sua tarefa se resumia a esperar que alguém chegasse para ser atendido ou atender telefonemas, o que em dias de fraco movimento era bem enfadonho. A quilo me incomodou, sugeri em trazer alguns livros, mais a jovem disse que não gostava de ler, paciência, mais alguns dias e quilo foi me irritando, sem perguntar pequei um livro que Pedro Bandeira chama de “gruda jovem” a obra, Descanse em Paz Meu Amor de autoria do próprio Bandeira e deixei inadvertidamente sob o balcão. Resultado, o tédio se mostrou melhor professor do que os que aquela jovem teve, em dois dias estava a bater em minha sala pedindo mais livros “legais” como aquela e no seis meses que ficou conosco leu mais de 30 obras, até uma coletânea de Manuel Bandeira, e uma adaptação do conto grego de Eros.

O leitor é facilmente seduzido pela leitura, principalmente as crianças, estas, desde que a obra seja de qualidade (nisto são críticas severas) ficam praticamente hipnotizadas com a leitura. E cabe aqui citar nosso outro elo, o professor, abrir a boca e recitar a ladainha de reclamações sem dúvida se mostrou inútil. Leia, estude, trace suas estratégias, seja como diria Clarisse Lispector : “Não era mais uma menina com seu livro, era uma mulher e seu amante”

Sejamos nós docentes subversivos, imaginemos como sendo a resistência francesa lutando contra o domínio nazista durante a 2ª guerra. Se não temos livros na escola, emprestamos de amigos, das bibliotecas públicas, compremos nos sebos (alguns são baratinhos). Deixemos de lado as aulas chatas de gramática, no final das contas mesmo que se aprenda tudo aquilo, ninguém além dos editores de livros escolares usam na vida mesmo...

Bibliografia

KRAMES, Sonia. Alfabetização leitura e escrita. Formação de professores em curso. Editora Ática, São Paulo, 2001

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